Fala-se, aos montes, acerca de teologia. Mas, o que é teologia? O que é necessário para o exercício teológico? Dentre o que pode ser dito a respeito deste assunto, quero me restringir ao bom senso. Aquele que, ao deparar-se com situações do dia-a-dia, se recorda de Deus e faz uso da consciência, esforçando-se para conhecer a realidade com profundidade e julgá-la, tornar-se-á mais sensível, sendo capaz de apreciá-la por meio da percepção – ou se preferir sensibilidade – estará amolada para conectá-lo com todas as qualidades adequadas à natureza e funções da própria experiência. Não é fácil dar início ao diálogo, encontrar no fundo da alma os termos adequados a definir as idéias na cabeça; não falarei de conflitos teológicos, meu desejo é conversarmos despretensiosamente.
O recordar-se não pressupõe o esquecimento, mas o estado de espírito daquele que está ciente, tendo convicção da presença diViNa em todos os instantes e circunstâncias da vida. Esse conhecimento não é mera sensação vil, mas a nobre certeza do mover contínuo da graça em nossas vidas medíocres.
O bom senso pode ser visto na vida do Senhor Jesus, sendo Deus não rasgou a lei, mas cumprindo-a nos mostrou estar pronto a ponderar sobre o que realmente tem valor. As tensões na caminhada do Senhor eram inevitáveis, porque nas suas palavras estavam contidas a verdade, costumeiramente essa ofende todos os que se encontram na mentira. Se somos servos deste homem, por que raios não o imitamos, por acaso não somos capazes de discernir entre o que é e o que, não é, relevante? Assumir o posicionamento da total incapacidade humana em conseguir fazer juízo de valor é afirmar que, a imagem e semelhança de Deus no homem não tem utilidade alguma, em certo ponto até dizê-la inexistente. Por que estamos falando disso? Teologia do bom senso, lembra? Aqui podemos dar outro nome – Teologia Sinfônica.
Ter harmonia, com o corpo de Cristo, não é falar bonitinho ou sorrir para os irmãos no fim do culto, é necessário saber ouvir e ver os outros. Quando nos reunimos para dialogar sobre textos bíblicos, a nossa atitude não é como a de Cristo, mas como a dos fariseus. Enchemos uns aos outros de perguntas, não para promover o conhecimento, mas para testar uns aos outros publicamente. Desejamos fazer nossos irmãos em Cristo passar vexame, por não ter conhecimento em tais e tais assuntos, ou ainda só para inflarmos nosso ego e dizermos EU SEI, e com pompa de bom moço fingimos piedade querendo dar aulinha de cristianismo a quem nos aparecer pela frente.
É contra essa disposição baixa da personalidade que escrevo; ouvir o outro doí, as palavras costumam penetrar a couraça do nosso narcisismo, mostrando que não somos o centro do universo. Ao irmos ao texto bíblico, se nossa intenção é interpretar, precisamos buscar no texto a mensagem, nele contida, e não tentar impor a ele interpretações à luz da nossa vontade momentânea. Em poucos versículos bíblicos somos expostos a uma imensidão de ensinamentos, por mais que nossa técnica interpretativa esteja apurada e bem treinada, sempre, deixaremos algo passar em branco. Ao decidirmos estudar um texto em grupo precisamos ter em mente que, a percepção de cada um será fisgada por uma ênfase especifica do texto; alguns perceberão a ligação entre verbos e como influenciam nos comportamentos do sujeito, demonstrando uma ação interna que reverbera no exterior, ou o contrário; outros podem olhar com mais atenção para o contexto histórico relacionando com outras passagens bíblicas, e tirar daí um ensino teológico sobre a ação de Deus na vida humana, alguns podem focar em outras minucias do texto encontrando um ensino bíblico diferente dos dois primeiros. O ponto não é uma questão de dar sentidos diferentes ao mesmo texto à medida que tenha leitores, mas, de encontrar no texto as inúmeras afirmações presentes ali. Então, quantas mais perspectivas olharem para o texto, maior é a chance de enriquecermos a nossa interpretação textual.
O exercício da teologia do bom senso irá descartar aquilo que foge do texto, por isso a necessidade de saber discernir, o que realmente está aqui e o que não está? O coração humano é partidarista – se você é humano essa afirmação te alcança –, queremos nos beneficiar, mas aqui o propósito não é um favorecimento próprio, queremos permitir que a voz textual exale alto o cheiro suave dos seus ensinos e verdades. A verdade de Deus é nobre, nós somos abomináveis, necessitamos, não só de técnica apurada, mas de harmonia do Espírito. Toda Escritura é inspirada, se o é, tem quem inspira, e o órgão responsável por isso é o Espírito Santo de Deus.
O zelo interpretativo não é fruto da ação humana apenas, o cuidado gerado no coração daquele que crê é prova do poder do Senhor sobre nossas vidas. Paulo já nos dizia “não prego sabedoria de homens”, o Evangelho é poder de Deus para a salvação. O exercício do interprete ao deparar-se com o texto é mínimo, não somos capazes de gerar significado a nada que nos cerca. Por que razão conseguiríamos gerar novo sentido a verdade divina? O cristão precisa fazer teologia debaixo da iluminação do Espírito, permitir ser guiado pelo texto à sua mensagem e não pelo próprio coração.
A teologia sinfônica inicia-se no exercício do bom senso, passa para a prática de ouvir o outro, alcançando nossos olhos na intenção de nos ensinar a ver o texto. Seu último estágio não ocorre na área dos sentidos apenas, este se dá no intimo da alma do indivíduo, naqueles lugares onde homem nenhum consegue chegar. É aqui que o Espírito trabalha, não conseguimos perceber a progressão dessa obra atuando em nós de forma consciente, mas em certos momentos a percepção da realidade do reino de Deus se manifesta, e nesses momentos somos agraciados pelo Senhor extraordinariamente.