Síndrome de Tomé

‘Então, Jesus lhe disse: Se, porventura, não virdes sinais e prodígios, de modo nenhum crereis.’ João 4:48.

O exercício da credulidade é algo que se torna quase que intrínseco ao homem. Se torna, pois, o “como crer” e “em quem crer”, é constantemente moldado e parametrizado pelos próprios pais: não acredite em estranhos, tome cuidado com as pessoas…tais conselhos são legítimos e necessários, visto o estado caído da humanidade. Uma instrução de prudência e  cuidado, se faz mais que necessária por parte dos pais. Contudo, entramos em um grande paradoxo, o qual consiste que da mesma forma que somos ensinados a não acreditar em estranhos, somos instruídos a acreditar em conhecidos, principalmente os da família direta (pai, mãe, irmãos). Aprendemos que os da família, são do mesmo time, os nossos “próximos” e que devemos amá-los.

Mas porque tal fato consiste em um paradoxo? Quando crescemos um pouco, vemos que não é bem assim, e não só a experiencia de vida, mas também a Palavra de Deus nos mostra uma certa inconsistência nesta lógica. Observemos por exemplo Eva, que comprovando nossa afirmação, acreditou em alguém que mal conhecia (Gn 3:1-6). Entretanto, Abel foi vítima de seu próprio irmão, alguém que confiava (Gn 4:8).

O fato, é que o Ego e sua filha Ganância, se multiplicaram sobre maneira no coração do homem após sua queda, criamos uma proteção latente e uma sólida prudência a respeito do carácter e integridade dos outros. Até aí, nada de novo, mas a história nos remete a um aumento gradativo da falta de integridade do homem. Lembro-me de cara, histórias de acordos comerciais, os quais eram estabelecidos apenas pela palavra das partes, homens que pagaram com a própria vida, o preço para manter sua palavra – o que era encarada como um reflexo, carácter e integridade de um homem. Contudo, hoje em dia não acreditamos nem na biometria.

Uma coisa é certa, não podemos confiar no homem. Pois o mesmo se encontra corrompido pelo pecado, e mais cedo ou mais tarde, mesmo que não queira, irá errar, fraquejar, ou cair em tentação.

Sobre este assunto, gosto de meditar em um texto muito rico das escrituras, segue abaixo:

‘Muitos samaritanos daquela cidade creram nele, em virtude do testemunho da mulher, que anunciara: Ele me disse tudo quanto tenho feito. Vindo, pois, os samaritanos ter com Jesus, pediam-lhe que permanecesse com eles; e ficou ali dois dias. Muitos outros creram nele, por causa da sua palavra, e diziam à mulher: Já agora não é pelo que disseste que nós cremos; mas porque nós mesmos temos ouvido e sabemos que este é verdadeiramente o Salvador do mundo. Passados dois dias, partiu dali para a Galileia. Porque o mesmo Jesus testemunhou que um profeta não tem honras na sua própria terra. Assim, quando chegou à Galileia, os galileus o receberam, porque viram todas as coisas que ele fizera em Jerusalém, por ocasião da festa, à qual eles também tinham comparecido. ‘ João 4:39-45

Neste texto, vemos o contraste dos excluídos samaritanos, os quais sem verem sinais e milagres, creram na Palavra de Deus, e testemunharam que Jesus é “…verdadeiramente o Salvador do mundo“. Por outro lado, o texto mostra que os galileus “o receberam“, não diz que eles creram; porque “… um profeta não tem honras na sua própria terra“. No mesmo capítulo lemos sobre o oficial que pede para Jesus curar seu filho. Mas este homem queria que Jesus fosse até seu filho, para que ele pudesse ver tal milagre. Então, Jesus exorta o oficial dizendo que… “Se, porventura, não virdes sinais e prodígios, de modo nenhum crereis.” (Jo 4:48) então algo abruptamente muda na atitude do homem, ele crê na palavra de Jesus: “Vai, disse-lhe Jesus; teu filho vive. O homem creu na palavra de Jesus e partiu.” (Jo 4:50). Os que não conheciam Jesus creram na sua palavra, sem ver os sinais, enquanto os que o conheciam e viram, mesmo assim não creram.

Da mesma forma, vemos os apóstolos mergulhados em dúvidas e ressalvas sobre Jesus, principalmente devido aos pressupostos que tinham acerca de quem e como o Messias deveria ser. Outra porção do Evangelho segundo João nos ilustra:

‘No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro de madrugada, sendo ainda escuro, e viu que a pedra estava revolvida. Então, correu e foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo, a quem Jesus amava, e disse-lhes: Tiraram do sepulcro o Senhor, e não sabemos onde o puseram. Saiu, pois, Pedro e o outro discípulo e foram ao sepulcro. Ambos corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro; e, abaixando-se, viu os lençóis de linho; todavia, não entrou. Então, Simão Pedro, seguindo-o, chegou e entrou no sepulcro. Ele também viu os lençóis, e o lenço que estivera sobre a cabeça de Jesus, e que não estava com os lençóis, mas deixado num lugar à parte. Então, entrou também o outro discípulo, que chegara primeiro ao sepulcro, e viu, e creu. Pois ainda não tinham compreendido a Escritura, que era necessário ressuscitar ele dentre os mortos. E voltaram os discípulos outra vez para casa. Maria, entretanto, permanecia junto à entrada do túmulo, chorando. Enquanto chorava, abaixou-se, e olhou para dentro do túmulo, e viu dois anjos vestidos de branco, sentados onde o corpo de Jesus fora posto, um à cabeceira e outro aos pés. Então, eles lhe perguntaram: Mulher, por que choras? Ela lhes respondeu: Porque levaram o meu Senhor, e não sei onde o puseram. Tendo dito isto, voltou-se para trás e viu Jesus em pé, mas não reconheceu que era Jesus. Perguntou-lhe Jesus: Mulher, por que choras? A quem procuras? Ela, supondo ser ele o jardineiro, respondeu: Senhor, se tu o tiraste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei. Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, voltando-se, lhe disse, em hebraico: Raboni (que quer dizer Mestre)! Recomendou-lhe Jesus: Não me detenhas; porque ainda não subi para meu Pai, mas vai ter com os meus irmãos e dize-lhes: Subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus. Então, saiu Maria Madalena anunciando aos discípulos: Vi o Senhor! E contava que ele lhe dissera estas coisas. Ao cair da tarde daquele dia, o primeiro da semana, trancadas as portas da casa onde estavam os discípulos com medo dos judeus, veio Jesus, pôs-se no meio e disse-lhes: Paz seja convosco! E, dizendo isto, lhes mostrou as mãos e o lado. Alegraram-se, portanto, os discípulos ao verem o Senhor. Disse-lhes, pois, Jesus outra vez: Paz seja convosco! Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio. E, havendo dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Se de alguns perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos. Ora, Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Disseram-lhe, então, os outros discípulos: Vimos o Senhor. Mas ele respondeu: Se eu não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o dedo, e não puser a mão no seu lado, de modo algum acreditarei. Passados oito dias, estavam outra vez ali reunidos os seus discípulos, e Tomé, com eles. Estando as portas trancadas, veio Jesus, pôs-se no meio e disse-lhes: Paz seja convosco! E logo disse a Tomé: Põe aqui o dedo e as minhas mãos; chega também a mão e põe-na no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente. Respondeu-lhe Tomé: Senhor meu e Deus meu! Disse-lhe Jesus: Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram. ‘ João 20:1-29

João somente creu porque viu (Jo 20:4); Maria Madalena da mesma forma, teve que ver para crer, e para dar credibilidade ao seu recado, salientou: “Vi o Senhor!“; o Senhor teve que mostrar as marcas em suas mãos; contudo, Tomé foi além, além de ver, disse que precisava tocar para acreditar. Então somos confrontados com a seguinte afirmação: “Bem-aventurados os que não viram e creram.

Outro ponto interessante de se observar, é que o que é dito, proclamado (palavra), é ignorado até que se veja (exceto no testemunho da samaritana). Do mesmo modo, salientar que essas pessoas viram, serve para nós, a atribuição de autoridade e credibilidade ao texto.

Nos munimos de aparatos tecnológicos e científicos, para que possamos acreditar; inclusive nas coisas que vemos. A humanidade duvida de seu criador, mesmo vendo suas maravilhas e gozando todos os dias de sua graça. Assim como Tomé, nossa incredulidade nos arremessa à uma realidade solitária e tenebrosa. Em meio a esta profunda escuridão, quando não vemos outra alternativa; quando estamos prestes a saltar no abismo do individualismo; Deus nos chama para acreditar nele, e em sua Palavra, nos compele à mergulharmos de corpo e alma, sem olharmos para trás. Em troca, nos concede remissão dos nossos pecados, restauração da nossa integralidade, e vida eterna!

Que contraste! Em meio a trevas, incertezas e prisão, Deus nos mostra luz, certeza e liberdade, e diz, que nele podemos confiar de “olhos fechados“, crer sem ver, sem olhar para trás. Essa certeza não lhe trás paz? Seu coração não se enche de alegria, quando em meio ao deserto, visualiza um oásis? Se não, pode ser que você ainda não tenha percebido que está em um deserto; que os dias são maus; e que o amor de quase todos se esfriou.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.